segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Minha Eliana



Andava cansada dos dias todos iguais. Cansada da busca incessante do que afinal viemos fazer aqui? Cansada das minhas dúvidas, inclusive.


Dobrei a esquina e vi um grupo de amigos. Meio hyppies, meio sonhadores, provocativos por demais. Ela usava mini-saia e fumava com uma casualidade de causar inveja. Cabelos curtos, lindas pernas sensuais. Olhava um e outro entre risadas e provocações. Sua inteligência era esperta. Do tipo que teve que aprender pra enfrentar a vida. Ahhh, a vida! Vi nela a vida que faltava em mim. A coragem de ir ao encontro de todas as dúvidas, as próprias e as alheias. Ora revelando tudo, ora tornando-se outra. Outra ela.


Era a outra quem estava ali. Enganando a todos, enquanto acreditava em sua nova história de vida. Afinal, quem daquele grupo sabia de suas dores infantis? Da solidão precoce? Da família interrompida? Quem dali sabia do medo cultivado num jardim onde nasciam rosas de suas dores? Quem dali conhecia seu imenso e inexplicável medo do sofrimento que segue ao amor.


Ela disfarçava com maestria. Atriz interpretando a personagem de sua vida, a personagem que era a outra Ela. Quem seria capaz de reconhecer a insegurança nas provocações inteligentes finalizadas com bolinhas que fazia com a fumaça do cigarro?


A mulher da mini-saia que fumava quando poucas tinham coragem, queria ter filhos logo. O quanto antes. Queria preencher a lacuna do amor familiar. Da casa cheia da paixão dos pais, de seus dengos acariciados pela mãe, das artes com a avó cigana. Ela queria continuar as brincadeiras interrompidas. Precisava com urgência preencher uma casa de alegria infantil e plena. Antes que tudo fosse em vão. Talvez assim reencontrasse ela mesma, a que sempre foi. Talvez assim juntasse o antes com o agora podendo continuar enfim, a viver a vida.


Hoje ela aprendeu que o vaso quebrado nunca mais será o mesmo. Tentou de tudo. Todos os sentimentos que pudessem colar uma verdade na outra, eliminando assim a fresta por onde passa a dor. Hoje ela me olhou. Do apagado de sua outra me fitou, colorindo minha vida de sentido.


As dúvidas enfim, cessaram.


Estou indo em busca de outras verdades e dúvidas novinhas em folha. Agora o que sou é mais leve porque você me libertou, mãe querida.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A menina da Rodô

Aquela menina que pede dinheiro aos mineiros, nordestinos que passam pela rodoviária, ainda não sabe que cresceu. Ela anda desconfiada que o homem de farda e revólver na cintura quer dela uma sedução que não tem. E por isso, quer parar os mamilos teimosos que crescem à sua revelia. Alheios à vontade que a menina tem de brincar. De parar de crescer e passar as tardes desenhando com os amigos, todos menores que ela. Ela se esforça para esconder a própria meninice atráz de seus olhos bravos e seu camisão folgado. E estuda suas atitudes numa tentativa de forjar sua luta contra os perigos da rodoviária:


o homem da graxa no sapato

o homem que passa a pé

o homem de farda e revólver na cintura

a fome de comida e alegria

o grupo dos adultos que aguarda a volta das crianças de mãos cheias

o corpo que cresce e convida sabe-se lá quem para sabe-se lá o quê

a mulher da TV indignada e assustada com a menina bicho, que faz gestos obcenos para a câmera ameaçadora


Aquela menina hoje deixou-se escapar. Esqueceu os olhos bravos, esqueceu de esconder-se atráz do blusão. Ela encontrou um bloco e uma caneta. E como se fosse só menina, desenhou uma casa, um sol, um jardim.

E tem mais, num abuso próprio dos libertários, a menina desenhou um balanço e nesse balanço era ela quem subia e descia com os pés esticados e um sorriso que escapou da folha e foi parar em seu rosto de menina quase moça, quase gente de verdade.


(Para Letícia)