terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Amor e sexo por toda vida

Foi numa manhã de sábado que encontrei Vlado depois de oito anos de separação.

Ele estava na estante de literatura estrangeira, concentrado num livro grosso que folheava delicadamente. “Eu não conseguiria ler livros no computador. Não aqueles pelos quais me apaixono. Esses eu preciso sentir, tocar”. Sempre discutíamos se a internet facilitaria a democratização do acesso à literatura. Falavamos sobre a construção dos personagens, os estilos narrativos e os ardentes e impossíveis amores fictícios. Falavamos disso com empolgação e eramos pegos de surpresa um e outro, quando sentíamos escapar em meio as discussões literárias, o inconfessável desejo de estar juntos.

Protegida pela camada de livros que nos separava, observei alguns cabelos brancos emoldurando o rosto que tanto amei e pensei se ainda sentia o mesmo.

Não. Definitivamente, não. Amadureci. Não preciso mais de uma relação velada como essa. Hoje posso falar do que sinto sem medo. Afinal, pago minhas contas, tenho um trabalho que me dá prazer e namoro com quem bem entender.

Enquanto enumerava os motivos para não me derreter diante de Vlado, ele levantou o rosto e olhou direto nos meus olhos. Senti as pernas tremendo, as mãos suando e uma leve tontura. Talvez um circuito na área tegmentar central, numa região do mesencéfalo bem no meio da minha cabeça, fora ativado. Se sim, então era paixão eterna conforme acabara de ler na revista que ainda estava em minhas mãos. Tampei a capa ilustrada com um casal colorido cuja manchete prometia “amor e sexo por toda vida”, assim que Vlado parou diante dos meus olhos. Antes que eu pudesse escapar ouvi um familiar e delicioso “Jô! Como você está linda!”. Pronto! Os oito anos em que falamos de amenidades somente por e-mail viraram fumaça.

Durante a conversa no Café da livraria, lamentamos o conflito que matava crianças em Gaza e falamos sobre a vida, a crise financeira, as viagens dele e as minhas, e se, enfim, ele se convencera de que a internet democratizaria o acesso à literatura. Rimos da obstinada opinião dele e tomamos o último gole de café. Tudo como antes. Como se a a saudade dolorida que sentimos um do outro durante esses oito anos não tivesse nos proporcionado algumas solitárias noites de insônia.

Esqueci minha pretensa maturidade e o convidei, casualmente, para conhecer meu novo apartamento.Ele, casualmente, aceitou.

No caminho para casa sentia um misto de alegria e desilusão. Sabia que desceríamos em silêncio, que ele tomaria a iniciativa de me beijar um beijo terno e apertado para em seguida atropelarmos os obstáculos até minha cama. Seria maravilhoso e quase perfeito, como sempre. E como sempre, faltaria somente dizer o quanto precisávamos um do outro.

Mas assim que abri a porta e pousei a bolsa sobre o balcão me virando para receber o primeiro beijo, Vlado me surpreendeu comentando sobre as coloridas flores que faziam par no vaso, “Nossa, que lindas!”. Por um segundo pensei em tudo que queria dizer, da saudade que senti e de como procurei aquele beijo terno em outros homens sem encontrar. Mas fui vencida mais uma vez e impotente, respondi: “Não se iluda, Vlado. Essas rosas são de plástico.” e recebi meu milionésimo “primeiro beijo”.