quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Sinhá

Hoje acordei cedo, cedo demais.
E vi aquela senhora se aproximando.
Corpo ereto como das bailarinas. O vestido distinto, elegante e discreto vinha ornado com um cinto dourado brilhante. A bolsa era grande, dessas que estão na moda, num tom mais escuro que o vestido. Nos pés um tênis baixo, social, em duas cores: a do vestido e a da bolsa. Mas o acessório que mais chamou a atenção, pela beleza e pelo incomum, foi o chapéu. De palha clara, bem acabado e enfeitado na frente com azaléias cor-de-rosa.

O chapéu dizia sobre ela mais que qualquer biógrafo conseguiria contar. Era um chapéu de sinhá. Sinhazinha indignada com a própria má sorte. Indignada com a ignorância do povo que não compreende sua fidalguia. Indignada com os olhares curiosos das senhoras vestidas em jeans e camiseta e quando muito, um boné. Não sou biógrafa, mas sou humana. Classificação que enfim me iguala à distinta senhora. E como humana, juntando os trajes que ela vestia com seus gestos de soberba e o olhar temeroso de uma fixação mais demorada em qualquer outro olhar, percebi o deserto em que a distinta sinhá vive. Deserto da incompreensão sem fim. Da insistência dos outros em não admitir sua nobreza. Deserto de quem está longe “dos seus”.

Não me pergunte porque afirmo tudo isso de um contato visual que não durou mais que dois minutos. Porque foram dois minutos desde que a avistei atravessando a W3 em direção ao ponto de ônibus. Dois minutos em que ela demonstrou o incômodo de estar sendo observada. Dois minutos até que o primeiro ônibus passasse e ela, sem olhar o destino escrito no painel digital, entrasse sem nem virar o rosto, um pouco que fosse, para traz.

Talvez dois minutos seja tempo suficiente para que nossa memória genética se identifique com a sinhá que ainda vive dentro de nós.

Mas eu precisaria bem mais que dois minutos para entender porque insistimos em ser tantas coisas quando o mais simples seria admitir nossa fatal humanidade.