Minha casa tem duas janelas de frente.
Daquelas de interior, em que as moças casadoiras debruçam para espiar os garbosos rapazes que passam, e as senhoras futriqueiras, descansam seus braços numa almofada, para melhor espiar as moças espiando (que vergonha), aqueles rapazes tão distintos e...garbosos.
A porta da minha casa se abre em duas, pra fora.
E tem dois degraus até entrar na sala.
As moças casadoiras, as mulheres futriqueiras e as crianças da casa, sempre sentam nessa porta no comecinho da noite.
Todos os assuntos da rua são tratados ali. As moças casadoiras que conseguiram conversar com algum rapaz garboso primeiro são repreendidas pelas distintas senhoras que passaram o dia com os braços debruçados na janela. Em seguida são bombardeadas ansiosamente, com milhões de perguntas pelas mesmas senhoras distintas, sobre o que falaram, como era a voz, os olhos e se sentiram o perfume do rapaz.
(Moças casadoiras, um conselho: se sentirem o perfume de qualquer desses rapazes garbosos, nunca revelem às distintas senhoras.)
Minha casa tem também um telhado em forma de triângulo, feito de telhas de barro e com uma chaminé. A chaminé espalha o perfume das compotas de fruta, do frango caipira “fôgado”, do arroz doce, da broa de milho, do bolo de fubá e, em dia de Santo Antônio_aquele das moças casadoiras_ um delicioso aroma de quentão.
Todos esses perfumes saem do fogão à lenha, que funciona o dia todo.
E assim, a comprida mesa de madeira rústica permanece abastecida das deliciosas iguarias diariamente. Os meninos passam o dia beliscando e levando pequenos tapinhas nas mãos por conta dos doces preparados ali.
O quintal da minha casa, onde as crianças se refugiam dos tapinhas na cozinha, tem chão de terra vermelha. Uma enorme jabuticabeira em companhia de uma mangueira e um pé de carambola fazem uma refrescante sombra em quase todo quintal.
É dali, daquele quintal, que em noite de lua cheia se avista o céu mais bonito entre todos os céus que conheço. Uma viola e uma fogueira acompanham as incríveis estórias dos contadores de causos, noite adentro. Lentamente as crianças se aquietam nos colos das mães, tias, e muito frequentemente, das avós. É desse momento que guardo a melhor sensação vivida nesta casa, a minha casa. Aquele soninho que vem chegando no calor da fogueira, embalado pela música caipira e a estória do dia em que o Tinda respondeu simplesmente “Paca Tatu” (cotia não né!) e com isso ganhou um canivete novinho em folha.
Chegar na minha casa é simples: passando pela Rua do Coração, bem devagar, atravesse a ponte que passa pelo Riacho da Razão. Não tente entender o que dizem as águas desse riacho. As pessoas que convidei pra conhecer a minha casa, e que deram ouvidos à aparente sensatez, nunca chegaram, apesar da proximidade do riacho com a Rua da Imaginação. A casa então fica na Rua da Imaginação e não tem número. Mas é fácil identificá-la porque tem duas janelas azuis na frente e uma porta, de duas partes, que permanecem sempre abertas.
Um comentário:
Essa casa deve ser uma delícia de se morar...
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