Ela morava numa estrela, e porque a noite estava quente resolveu sair à procura de outra constelação. E foi o bafo do hálito dele que a guiou: leve, solta, sem gravidade e sem rumo. Um hálito novo, um sopro quente e sonoro. E ela esqueceu o calor e esqueceu que tinha saído à procura de um lugar mais fresco. Porque junto com o hálito ele dizia palavras doces e moles. Palavras molhadas que saíam do diafragma dançando e fazendo as cordas vocais vibrarem como as cordas do violão. Ela olhava curiosa a cabeça laranja dele. Cabeça cor de sol. E ficou feliz porque conseguiu fixar seu olhar nas molas vibrantes do cabelo dele sem machucar os olhos. Ela pensou que ele fosse o sol. E ficou encantada. Um encanto de descoberta infantil, mágica. E com olhos de criança, protegida pela certeza de que ele não a via, ficou observando ele cantar e dançar.
Ele percebeu que ela o olhava. E cantou pra ela assim de um jeito engraçadinho, disfarçando, para que ela não sentisse vergonha. Ela parou em outra estrela para observar e ouvir melhor. E seu peito encheu, encheu e sob ele um músculo começou a bater: tum, tum, tum. Um músculo vermelho e vibrante. Ela não entendeu o que era, mas foi ali que nasceu o amor.
E seu mundo expandiu para além das estrelas. Ela aprendeu a suspirar e a sonhar. Ela, que até então morava no lugar aonde todos iam quando estavam sonhando. Pra onde os casais apaixonados olhavam quando estavam abraçados em frente ao mar. Onde os amantes conseguiam ler os palpites que geravam bebês.Ela estendeu a mão para que ele a seguisse. E os dois flutuaram brincando de escorregar no anel de Saturno.Ela deu uma pirueta no ar, ele dançou girando com um pé só.Ela mostrou uma estrela que acabara de nascer, ele encostou a língua na ponta do nariz.Ela se espantou com o som da própria risada e ficaram brincando de rir durante muito tempo.
Mas a Terra girava, girava e não parava de girar. E o primeiro raio de sol apareceu. E ela entendeu que ele não era o sol. E fugiu, porque o sol a cegava. Ele ficou com a mão estendida esperando, mas ela sumiu. Ainda deu tempo dela deixar uma lembrança. Um brilho, brilho emprestado de estrela, que ficou na mão dele fixo como o olhar curioso da primeira vez que ela o viu. Ele apertou a mão contra o peito e acordou assim. Foi até a janela, mas não conseguiu olhar o céu. O sol fechou suas pálpebras e ele entendeu que o dia seria uma longa espera. E decidiu que o nome dela seria Espatódea.
Desde então há uma estrela no céu enfeitada com flores laranja e habitada por ela. Todos os dias ela vive a expectativa de que a Terra gire logo até o ponto onde ele mora e sempre o encontra olhando pela janela a espera do crepúsculo que antecede o amor.
(Este conto foi re-publicado porque ganhou uma participação mais que especial. Veronica Yanina, artista plástica que mora em Floripa me presenteou com essa ilustração que parece um sonho! Em breve teremos mais participações da V., Vê ou Nina em texto e imagem.)
4 comentários:
Este casamento não poderia ser mais perfeito! Que linda arte! Que texto encantador! Uma bela parceria!
Peço bis!!!! Os textos precisam das ilustrações para se casarem e reproduzir ainda mais poesia!
Putz, muito bonito Cris! Os parágrafos finais então, surpreendentes. Na minha percepção, passou do fantástico para o mundo que habitamos num passo de mágica. hehe. E o desenho? Lindo! Quando abri a página do blog e vi o desenho, lembrei das ilustrações do livro "O Pequeno Príncipe". Bjo, até!
Caracóles !
Ficou demais esse casamento. Queremos mais! ... tum tum tum, queremos mais! ... tum tum tum.
Se fosse como uma arte de rua e vocês estendessem o chapéu, ele estaria cheio.
A única coisa que me consola no fato de não conseguir produzir nenhuma arte escrita, pintada, falada ou tocada, é que posso curtir minha preguiça (meu traço mais marcante) que sempre aparece algo novo surpreendemente gostoso como esse.
Cadê o chapéu ?
Sabia que ja tinha lido! hehehe
Lindos, a imagem e o texto =)
Postar um comentário