Aquela menina que pede dinheiro aos mineiros, nordestinos que passam pela rodoviária, ainda não sabe que cresceu. Ela anda desconfiada que o homem de farda e revólver na cintura quer dela uma sedução que não tem. E por isso, quer parar os mamilos teimosos que crescem à sua revelia. Alheios à vontade que a menina tem de brincar. De parar de crescer e passar as tardes desenhando com os amigos, todos menores que ela. Ela se esforça para esconder a própria meninice atráz de seus olhos bravos e seu camisão folgado. E estuda suas atitudes numa tentativa de forjar sua luta contra os perigos da rodoviária:
o homem da graxa no sapato
o homem que passa a pé
o homem de farda e revólver na cintura
a fome de comida e alegria
o grupo dos adultos que aguarda a volta das crianças de mãos cheias
o corpo que cresce e convida sabe-se lá quem para sabe-se lá o quê
a mulher da TV indignada e assustada com a menina bicho, que faz gestos obcenos para a câmera ameaçadora
Aquela menina hoje deixou-se escapar. Esqueceu os olhos bravos, esqueceu de esconder-se atráz do blusão. Ela encontrou um bloco e uma caneta. E como se fosse só menina, desenhou uma casa, um sol, um jardim.
E tem mais, num abuso próprio dos libertários, a menina desenhou um balanço e nesse balanço era ela quem subia e descia com os pés esticados e um sorriso que escapou da folha e foi parar em seu rosto de menina quase moça, quase gente de verdade.
(Para Letícia)
2 comentários:
Vc é uma das minhas poetisas favoritas
Você evolui a cada conto? Quem evolui? Quem faz parte da estória ou história... você, eu, quem lê.
Postar um comentário