quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Os menores contos do blog - 3º parte

Êita que esse trem tá animado sô!

Fiquei muito feliz quando soube de um poeta carioca que conheceu e encantou um amigo.
Mais feliz ainda quando soube que esse amigo falou do blog pro poeta.
E ainda mais feliz quando recebi essa colaboração vinda lá daquela terra que não conheço (mas sou apaixonada) do corajoso poeta César.

E pra completar Farelo Martinez (o poeta que um dia REconheci) nos brinda com mais um inspirado conto mínimo.

Sejam todos bem vindos, sempre!

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Não passo mais pela sua rua
por que deixou de ser caminho
pro teu quarto-e-sala-e-cozinha-e-travesseiro
agora gasto meu copacabanês
na varanda de um sobrado menor
mas muito mais bem ventilado-
andei precisando respirar outros ares
e você não notou
não veio comigo
então eu fui só
e alguem me encontrou-
eu colhia roliúdis como flores num jardim
quase que eu morri do pulmão
agora estou mais feliz
e fico sem ar por um motivo tão bom
que eu acho que vou morrer é do coração.

(César Soares)



Olhou para baixo Valadão e esticou a perna direita para encontrar alguma satisfação ao observar o sapato adquirido na noite anterior. Brilhava o sintético pobre suficiente para os próximos três meses de labuta.
Do outro lado da mesa, duas moças: a de óculos, balsaquiana; a morena, 19 aninhos, primeiro emprego.Valadão coçou o grisalho sobre a orelha, achou-se um velho decadente iniciando um medíocre emprego ao lado das duas, todos em treinamento.
Eis que passa uma vendedora ruiva, alta, com batom vermelho, desfilando entre os armários e jogos de cozinha da loja de departamentos. Sorri para Valadão. Ele sonha... e esquece a situação desconfortável de minutos atrás.

(Farelo Martinez)
http://sociologiaindependente.zip.net

domingo, 11 de novembro de 2007

Os menores contos do blog - 2º parte

A participação continua...


EIS UM CAMINHO DENSO
JUNTO DESSA FORÇA QUE EMANA
E EMBORA DEMASIADO SENSO
POR HORA PAREÇA TENSO
TRAZ PRAQUELE VELHO LENÇO
A CAPACIDADE DE SER BANDANA.

Graça Passos




Vejo através das molduras,
Na janela,fragmentos da minha vida,
Espalhados no jardim,
No silêncio dos objetos,
do balanço,inatos,compondo a paisagem,
A luz do inverno,
leve e fria,
iluminando minhas memórias,
ecos de sorrisos e estórias,
contadas na mesa do jantar,
imagens que saltam ao rever o jardim silencioso,
um passado espalhado através da janela,
lugar seguro onde olhar para fora,
e ao mesmo tempo para dentro,
o jardim com suas cores e tonalidades,
de um verão esquecido.......

Alan Nielsen
www.alannielsen.com


Graça e Alan, obrigada de coração pela bela participação de vocês.

E que venham mais colaborações!

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Espatódea

Ela morava numa estrela, e porque a noite estava quente resolveu sair à procura de outra constelação.

E foi o bafo do hálito dele que a guiou: leve, solta, sem gravidade e sem rumo. Um hálito novo, um sopro quente e sonoro. E ela esqueceu o calor e esqueceu que tinha saído à procura de um lugar mais fresco. Porque junto com o hálito ele dizia palavras doces e moles. Palavras molhadas que saíam do diafragma dançando e fazendo as cordas vocais vibrarem como as cordas do violão. Ela olhava curiosa a cabeça laranja dele. Cabeça cor de sol. E ficou feliz porque conseguiu fixar seu olhar nas molas vibrantes do cabelo dele sem machucar os olhos. Ela pensou que ele fosse o sol. E ficou encantada. Um encanto de descoberta infantil, mágica. E com olhos de criança, protegida pela certeza de que ele não a via, ficou observando ele cantar e dançar.

Ele percebeu que ela o olhava. E cantou pra ela assim de um jeito engraçadinho, disfarçando, para que ela não sentisse vergonha. Ela parou em outra estrela para observar e ouvir melhor. E seu peito encheu, encheu e sob ele um músculo começou a bater: tum, tum, tum. Um músculo vermelho e vibrante. Ela não entendeu o que era, mas foi ali que nasceu o amor.

E seu mundo expandiu para além das estrelas. Ela aprendeu a suspirar e a sonhar. Ela, que até então morava no lugar aonde todos iam quando estavam sonhando. Pra onde os casais apaixonados olhavam quando estavam abraçados em frente ao mar. Onde os amantes conseguiam ler os palpites que geravam bebês.

Ela estendeu a mão para que ele a seguisse. E os dois flutuaram brincando de escorregar no anel de Saturno.
Ela deu uma pirueta no ar, ele dançou girando com um pé só.
Ela mostrou uma estrela que acabara de nascer, ele encostou a língua na ponta do nariz.
Ela se espantou com o som da própria risada e ficaram brincando de rir durante muito tempo.

Mas a Terra girava, girava e não parava de girar. E o primeiro raio de sol apareceu. E ela entendeu que ele não era o sol. E fugiu, porque o sol a cegava. Ele ficou com a mão estendida esperando, mas ela sumiu. Ainda deu tempo dela deixar uma lembrança. Um brilho, brilho emprestado de estrela, que ficou na mão dele fixo como o olhar curioso da primeira vez que ela o viu. Ele apertou a mão contra o peito e acordou assim. Foi até a janela, mas não conseguiu olhar o céu. O sol fechou suas pálpebras e ele entendeu que o dia seria uma longa espera. E decidiu que o nome dela seria Espatódea.

Desde então há uma estrela no céu enfeitada com flores laranja e habitada por ela. Todos os dias ela vive a expectativa de que a Terra gire logo até o ponto onde ele mora e sempre o encontra olhando pela janela a espera do crepúsculo que antecede o amor.